Juridicamente é possível cumular o adicional de risco com adicional de insalubridade, pois a nível constitucional, cumpre assinalar desde logo que a Magna Carta de 1988, em seu art. 7°, relaciona os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visam a melhoria de sua condição social. Dentre estes direitos consta:
“Art. 7° (...)
XXII – A redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e seguranças;
XXIII – Adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;”
Atendendo a orientação constitucional, a legislação estadual regula o adicional por risco de vida, através da lei n° 5.539 de 10/05/1989, que disciplina a percepção nos seguintes termos:
“Art. 1° - Fica instituída gratificação pela execução do trabalho de natureza especial, com risco de vida, a servidores estaduais:
I - Ocupante de cargos pertencentes à categorias funcionais do grupo Polícia Civil, Código GEP – PC – 700;
II – Lotados na Superintendência do Sistema Penal desde que, efetivamente, exerçam suas atividades no interior dos estabelecimentos penais e lidem diretamente em rotina permanente de trabalho, com internos;
III – Com atividade nas unidades psiquiátricas do Estado.
Art. 2° - A gratificação prevista nesta Lei corresponderá a cinqüenta por cento (50%) do vencimento – base do servidor, integrando com sua passagem à inatividade, os cálculos dos proventos de aposentadoria, disponibilidade, desde que, percebida por mais de cento e oitenta (180) dias consecutivos.
Parágrafo Único – Na aposentadoria por invalidez, a gratificação risco de vida será integrada ao cálculo dos proventos de aposentadoria, indecentemente do tempo em que vinha sendo percebida tal gratificação.
Art. 3° - As despesas decorrentes desta lei correrão à conta das dotações próprias do Estado.
Art. 4° - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”
Corroborando com os comandos insertos na Lei 5539/89, foi promulgada a Lei n° 5.773, de 30/1993, acrescentando o inciso IV ao art. 1° daquele texto legal, passando a estender o respectivo adicional de risco de vida aos servidores públicos que trabalham diretamente na coleta e exame de sangue para detectar a existência em pacientes do vírus HIV, se não vejamos:
“Art. 1° - Fica acrescido ao art. 1° da Lei 5539 de 10 de maio de 1989, inciso IV a seguinte redação;
IV – Que desenvolvem atividades nas URES AIDS da Saúde Pública, ou que trabalhem diretamente com coleta e exame de sangue para detectar a existência do vírus HIV.
Art. 2° - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogas as disposições em contrário.”
Note-se que os requerentes enquadram-se perfeitamente na descrição legal, uma vez que efetivamente trabalham na coleta e manuseio de sangue para detecta do vírus HIV.
A gratificação de risco de vida, também denominada gratificação de periculosidade, representa vantagens pecuniárias, instituídas por lei, que são atribuídas a servidores que prestem serviços em condições especiais de segurança. São denominadas gratificações propter laborem, que na dicção do Mestre Hely Lopes Meirelles:
“é aquela que a Administração institui para recompensar riscos ou ônus decorrentes de trabalhos normais executados em condições anormais de perigo ou de encargos para o servidor, tais como os serviços realizados com riscos de vida e saúde...”.1
Em que pese os servidores já recebem adicional pelo desempenho laboral de atividades insalubres, fazem jus ainda ao adicional de risco, por desenvolverem as funções relacionadas na Lei nº 5.539/89.
Cumpre assinalar que esta acumulação deriva do princípio da dignidade da pessoa humana, por dizer respeito a fatos geradores diferenciados. Nesse aspecto, o adicional de risco não se destina a indenizar o trabalho prestado, mas sim remunerar atividade que expõe o trabalhador a condições de risco à próprio vida.
Por isso, a acumulação do adicional de risco com o adicional de insalubridade é permitida, não configurando pagamento em duplicidade, pois cada um deles foi instituído por Lei específica, e com objetivos diferentes, e, assim sendo, um não compensa o outro. Neste sentido, veja-se o seguinte julgado:
“INSALUBRIDADE – ADICIONAL – CONTATO – MOLÉSTIA CONTAGIOSA. ADICIONAL DE INSALIBRIDADE – Faz jus ao adicional de insalubridade, assegurado no art. 192 da CLT, o empregado que trabalha com agente biológico, devido ao contato com pacientes portadores de moléstia contagiosa. Essa circunstância não o impede de receber também o intitulado “adicional de risco de vida e insalubridade” previsto na lei 7394/85 e que lhe é assegurado pelo fato de operar raio x, sujeitando-o portanto, à radiações perigosas. Os agentes agressivos são diversos, e, em conseqüência, poderão lesar a saúde do trabalhador, ocasionando-lhe danos a órgãos distintos do corpo humano. Raciocínio em sentido contrário acabará por incentivar o empregador a não eliminar os agentes agressivos existentes, enriquecendo-se, ilicitamente, em detrimento da saúde do trabalhador.” (Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, RO-7405/90, Publicação em 31/01/92, no DJMG – Segunda Turma, Relator: Alice Monteiro de Barros)
Com efeito, o adicional de risco encerra natureza salarial, destinando-se a remunerar de forma compatível o empregado cujas atividades laborais envolvam maior grau de risco para sua vida. Não tem, pois, caráter indenizatório, se não vejamos:
“(...) adicional de risco (...), conforme jurisprudência assentada pelo e. Superior Tribunal de Justiça, destina-se a remunerar de forma compatível o empregado cujas atividades laborais envolvam maior grau de risco para sua vida, revestindo, dessa forma, natureza nitidamente salarial. 6. De fato,afasta-se, o cogitado caráter indenizatório da parcela em comento constatar-se que não se destina à reparação de qualquer prejuízo concreto imposto pelo empregador ao empregado, nem configura ressarcimento de gastos ou reparação de danos. Caracteriza-se, portanto, conforme aduzido pelo douto Parquet, `pagamento de um plus em virtude do risco.´ (Tribunal de Contas da União, Acórdão 2652/2006 – Primeira Câmara, Processo 007.852/2004-5, Recurso de Reconsideração).
Por conseguinte, a gratificação de risco de vida ou de periculosidade visa compensar a possibilidade de dano a que se submete o servidor no desempenho de suas funções.
Essa compensação financeira é concedida em razão do iminente perigo à vida ou à saúde a que determinados servidores estão e que a Administração classifica como perigoso.
É bem de ver que conceito de risco, para fins de concessão de gratificação, deve ser aferido pela própria administração, que admitirá ou não a sua existência em determinado local. Uma vez configurado o risco e existindo lei que autorize a Administração a despender verba a esse título, deverão ser retribuídos financeiramente com essa gratificação específica os que nesse local desempenham suas funções.
Certo é, porem, que, em obediência ao princípio da legalidade em matéria relativa à remuneração de servidores, a instituição da gratificação de risco requer produção de lei, requisito este que foi plenamente atendido quando da edição Lei nº 5.773/93, que acrescentou o inciso IV à Lei nº 5.539/89.
Na esteira do princípio da reserva legal, a Administração Pública encontra-se estritamente vinculada ao que a lei determina. Citando Hely Lopes Meirelles, “a legalidade, como princípio de administração (CF, art.37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afasta ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso”.
O principio da legalidade representa uma garantia para os administrados, pois, qualquer ato da Administração Pública somente terá validade se respaldado em lei. Nas palavras do ilustre doutrinador Roque Antonio Carrazza, “a aplicação do princípio da legalidade conduz a uma situação de segurança jurídica, em virtude da aplicação precisa e exata das leis preestabelecida”.
Note-se que a situação ora em cortejo trata-se, à evidência, de direito cuja aplicabilidade está confiada à reserva legal, e negar-se a concessão do referido adicional implicaria em clara violação dos ditames constitucionais, uma vez que a parcela está prevista na legislação estadual, e à mesma faz todo e qualquer servidor que se enquadre em tal descrição.
Ainda, cumpre assinalar a importância da obediência ao princípio da igualdade, que representa um freio teórico ao arbítrio que constitui distinções e estabelece privilégios, notadamente o perpetrado pelo poder público. Sobreleva aduzir que alguns servidores da entidade autárquica, exercendo as mesmas atividades de ricos que os demais, já recebem o adicional em questão, e o indeferimento da concessão para todos iria de encontro ao Princípio Constitucional da Isonomia.
OBS: O autor é Advogado de vários sindicatos de servidores públicos, na esfera Estadual, Federal e Municipal, inclusive da FEDERAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA, DAS FUNDAÇÕES E AUTARQUIAS DO ESTADO DO PARÁ – FSPEPA.
JADER DIAS
OAB/PA. 5273
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